A solidão me olhou nos olhos
E eu sorri sem saber o que dizer
Suavemente ela pestanejou
E me devolveu um sorriso
Estava tudo escuro
Mas consegui ver seus olhos brilharem
E também vi o seu sorriso abrir
Lentamente me aproximei
E no meio daquela escuridão
Uma poeira iluminada caia
Feito areia de luz
Tocando o chão mas ainda de pé
A solidão não me evitou
Ela não recuou quando sinalizei afeto
Ela não retrucou meu olhar sereno e cansado
E não disse uma palavra sequer quando me viu chorar
Sem também nada dizer
Supliquei por abraço e acolhimento
Estava ferido, cansado e com medo
Ela apenas me abraçou
Chorando, repousei minha cabeça no seu ombro
E senti um amor profundo
Um acolhimento que não conseguia dimensionar
Por um instante, recebia colo e era tudo o que eu precisava ali
Disse dos meus medos
Falei das minha inseguranças
Das dores que sinto
E das dores que acho que invento
Chorei e fui consolado
Por isso chorei mais
Como uma criança que sai do útero sem pedir
Saindo, não encontra proteção
Chorei e fui acolhido
Por isso chorei mais ainda
Como quem precisou recomeçar a vida quando ainda era tempo de brincar
Uma criança que virou provedora e por isso não poderia mais chorar
Chorei e fui abraçado
Por isso chorei mais ainda
Como um filho que não era desejado, como um parente que não era amado
Um menino que precisou convencer os outros de que não era mal
Chorei e recebi compaixão
Por isso chorei mais ainda
Como um cristão vocacionado que amava sua missão, mas que deixou de ser considerado apto
Por ser um homem que amava outro homem
Chorei e pedi à solidão que me tratasse com empatia
E assim chorei mais ainda
Como alguém que foi arrancado de sua comunidade
Que perdeu parte significativa de sua família e de seus amigos por não amar igual
Chorei e com lágrima nos olhos
Pedi ajuda à solidão
Como um jovem que não aguentava mais sobreviver
Como alguém que perdeu a vontade de viver por não ter conseguido provar que não era mal
Enquanto chorava, um novo dia amanhecia
Conheci alguém que estava vivendo as mesmas dores
Amei e fui amado
Construímos um novo universo
E como tudo é feito para acabar
Me despedi do amor num porto
Ele precisava navegar
Eu fiquei comigo
Não sei como consegui continuar
Mas aprendi a conviver com minhas dores
Acolhi o vazio da minha solidão
Fiz as malas e parti por aí
Por vezes essa dor imensa torna-se maior que eu
E em silêncio me refaço
Sem negar o que se passa
Abraço o que sinto
Pedalando venho sobrevivendo
Estudando tenho imaginado novos horizontes
Trabalhando consigo suprir o básico
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